Alguns
amigos tem nos perguntado com frequência sobre a vida aqui na China neste
momento de lockdown. Assim, escrever a respeito me pareceu bastante pertinente.
Moro em
Changchun, na província de Jilin, localizada no nordeste do país, com uma
população de 7 milhões de habitantes. Ela é considerada uma cidade “pequena”
para os padrões chineses e estamos em completo lockdown.
Desde que
se iniciou a pandemia, em 2020, a China implantou a política de “Zero Tolerância ao
Covid”, que significa uma série de medidas restritivas e de tratamentos dos
doentes, visando isolar as pessoas que venham a se contaminar de forma a não espalhar o vírus, num momento em que não se sabia nada ainda sobre o Covid e, também, não havia vacina ou medicamento eficaz.
Cada vez
que um caso é detectado, o condomínio onde mora esta pessoa já entra em estado
de alerta e todos os residentes daquele local são testados. A pessoa infectada é
levada ao hospital para tratamento e isolada por, pelo menos, 15 dias. Diversos testes são realizados durante o período. Os contatos próximos são, também,
isolados em hospitais de quarentena. Caso apareçam outras pessoas com resultado
positivo no condomínio, este é totalmente isolado e bloqueado, num pequeno lockdown. Conforme vão aparecendo
outros casos na cidade, começa a valer o estado de atenção e se os números
aumentam, os bairros são fechados, os condomínios entram em restrições e até
mesmo a cidade entra em lockdown. Se você viajar para uma cidade em que, após seu retorno para casa, apareçam casos, além de você ter que
ser testado algumas vezes, terá que fazer um monitoramento de saúde por 14 dias (varia de acordo com a Província).
Este monitoramento consiste em você reportar sua temperatura e condição de
saúde por um aplicativo ao centro de saúde da região em que mora e evitar sair de casa.
Como
funciona o lockdown? Como os fechamentos são, relativamente, gradativos, as
pessoas já começam a se precaver, indo aos supermercados e fazendo os devidos
estoques de alimentação e suprimentos, pois sabem que não poderão sair até que
os casos cheguem a zero! Algumas vezes, se os números se mantém “estáveis”, um
tipo de permissão é emitido e uma pessoa da família pode sair a cada dois dias
para fazer compras. Caso a situação
piore, como é o caso do lockdown que estamos vivendo no momento, tudo é
completamente bloqueado, comércios são fechados e as comunidades (os
condomínios na China são muito grandes, verdadeiros bairros) devem controlar
seus residentes. Testes de covid são feitos em 100% das pessoas várias vezes
durante o período. A cada dois dias, em média, todos são testados. Em 45 dias
de lockdown, já fizemos 20 testes de PCR, além de termos recebido kits de auto
teste a cada 3 dias, num total de 32 testes disponibilizados sem qualquer custo,
pelo governo. Agora, de uma semana para cá, temos que levar o resultado do auto
teste para poder fazer o PCR.
Com relação
à alimentação, temos algumas situações distintas. Aqui em Changchun, como o
lockdown foi gradativo, houve a possibilidade de nos prepararmos e estocar
comida. No início, a cidade sofreu uma semana de desabastecimento. Os chineses
tem por hábito se alimentar de muitos legumes, vegetais e frutas, que são itens
difíceis de se estocar. O Gerente de
cada condomínio se organiza para ajudar os residentes a comprar os alimentos
básicos de fornecedores cadastrados pelo governo e que precisam atender diversos
requisitos sanitários. Tudo é devidamente recebido pelo escritório central,
desinfetado e liberado para as pessoas retirarem.
Os chineses
são verdadeiramente altruístas de forma geral. Eles não medem esforços para
ajudar os outros e aqui no nosso condomínio, trocas de alimentos se tornaram
rotina. Ou, se alguém precisa de algum item, basta colocar no grupo de wechat
(o whatsapp chinês) que logo alguém se prontifica a ajudar e ceder o alimento
necessário. Até mesmo comida para gatos e areia acabou sendo disponibilizado
por quem tinha “mais”. Dois de nossos vizinhos, que são médicos, se
voluntariaram para testar as pessoas em nosso condomínio, de forma que não
recebêssemos os agentes de saúde externos e, com eles, a possibilidade (mesmo
que remota) de sermos infectados, além de desafogar esses profissionais que
precisam percorrer a cidade, de comunidade em comunidade, e ficam exaustos.
Claro que
não é nada fácil ficar por tanto tempo em lockdown. E a regra é clara: enquanto
os números não caírem ao nível do que eles consideram “zero”, não podemos ser
liberados e correr o risco de sermos infectados e infectar os outros, além de
ninguém estar disposto a deixar o “conforto do lar” e ir para um centro de
quarentena, que muitas vezes não são bem estruturados. Por causa da velocidade
em que tiveram que se organizar desta vez, muitos dos centros estão sendo
reportados como em condições muito ruins. A China é um país de números gigantescos: com
quase um bilhão e meio de habitantes, tudo se torna muito complicado caso
percam o controle da pandemia. O sistema de saúde entraria em colapso, sem
falar na economia que sofreria muito caso a população ativa adoecesse. Não à
toa, quando a vacinação começou, os trabalhadores da saúde, da educação e a
população produtiva foram privilegiados no recebimento do imunizante. Ainda
hoje, os mais velhos são os menos vacinados, assim, estão sofrendo mais contaminações.
Não estamos
com uma variante nova. Apenas, e justamente por causa dessa política de
controle do vírus, a omicron só chegou agora no país, sendo a onda que já está
no mundo há um certo tempo.
Sobre o
lockdown de Shanghai, uma das mais importantes cidades do país, economicamente
falando, a situação é bem complicada, pois o anúncio de fechar e isolar toda a
cidade foi feito sem aviso prévio, já que em dois dias os casos aumentaram
demais. Assim, os cidadãos não estavam
preparados para ficarem trancados. Muitos relatos de pessoas passando privação
de alimentação (como não houve um planejamento, não houve preparo na cidade
como um todo e o desabastecimento foi bastante severo). Shanghai tem quase 30
milhões de habitantes, então tudo lá é
gigantesco. Os centros de quarentena centralizados para quem está assintomático
estão, segundo os relatos, em condições bem precárias. As pessoas estão em um
nível de stress muito alto com a situação e estão entrando em certo conflito
com as autoridades, o que não é muito comum de se ver por aqui.
A esperança
é a de que as políticas sejam revistas e que medidas adequadas à realidade do
país e condizentes com os achados da ciência, que mantenham a segurança não só
física, mas também a mental, sejam encontradas e que todos possam retornar às
suas vidas e conviver de forma saudável com este inevitável vírus.